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Nosso Senhor Jesus: Considera, filho, quais foram os sentimentos do meu Coração no sofrimento, e esforça-te por imitá-los. Durante a minha vida mortal o meu Coração sempre sofria e ao mesmo tempo se alegrava por você.
Compreende minhas palavras, filho. Não falo da minha vontade divina, visto ser ela imensa e incapaz de sofrer. Mas refiro-me à minha vontade humana, pela qual pratiquei virtudes, adquiri méritos e operei a redenção dos homens.
Desde o inicio da existência da minha humanidade, o meu Coração plenamente se alegrava na visão e gozo eterno da Divindade que lhe estava hipostaticamente unida. Tornando-o em sumo grau bem-aventurado.
Ao mesmo tempo, porém, por especial concurso da Divindade, o meu Coração se afligia pelas cruéis e acerbas dores da Paixão, que lhe cumpria experimentar.
Entretanto, a respeito da cruel e dolorosa Paixão, sob diverso ponto de vista, o meu Coração a um tempo se afligia e se alegrava.
Afligia-se por ser dura e penosa à sua humanidade, mas regozijava-se como sendo da vontade divina e destinada à salvação dos homens.
Meu Coração era dotado de vontade humana que, embora uma em si, possuía dupla operação: a inferior, que espontaneamente temia e esquivava as dores da natureza humana, e a superior, que, por motivos mais elevados deliberadamente abraçava com amor essas mesmas dores.
Ambas as partes, tanto a inferior como a superior, eram retas, jamais desordenadas nem debilitadas por algum defeito.
A parte inferior, que considerava e desejava o bem e proveito da sua natureza, receando e evitando a dor e a morte, deixava-se governar ao mesmo tempo pela parte superior. Esta, por sua vez, submetia e conformava a inferior e a si própria à divina vontade.
Daí procediam atos sobrenaturais e perfeitos de virtude. Daí provinham os méritos e as abundantes riquezas da graça, acumulados em favor dos homens.
Lembra-te, filho, que possuis vontade semelhante à minha, não de igual modo perfeita e íntegra, mas, não obstante, realmente livre. E nesta tua vontade encontras igualmente duas partes: a superior e a inferior.
O Amor que tudo padece de bom grado…
Filho, os sofrimentos que te aguardam, não os conheces sempre, nem ao mesmo tempo. Assim acontece por minha misericórdia e benignidade para que, vendo-os, quase sempre, só à medida que se apresentam, mais facilmente suportes cada um.
Minha dor, porém, sempre esteve diante dos meus olhos. Onde quer que me achasse, sempre via os tormentos futuros.
Não houve momento em que me estivesse oculto o que a meu respeito predisseram os profetas, o que anunciaram as antigas figuras, o que havia de forjar a malícia do mundo e do inferno, os horríveis suplícios exigidos pelos pecados dos homens, pela gloria ultrajada de meu Pai celeste e por tua salvação, ó filho.
Esses sofrimentos com todos os seus pormenores continuamente estavam presentes ao meu olhar e me oprimiam o Coração. Mas era tal o amor do meu Coração que de bom grado tudo suportava e padecia.
O amor me tornava tudo delicioso; trabalhos e vigílias, opróbrios e escárnios, açoites, espinhos e cruz, enfim, tudo quanto a divina vontade dispusera para a bem-aventurança dos homens.
Eis, ó filho, a principal disposição do meu Coração padecente: o amor de Deus e dos homens. Desta fonte derivavam todos os demais sentimentos.